quinta-feira, 29 de maio de 2008

História

Fiz este texto para uma disciplina do curso de pós-graduação. Gostei muito. Acho que consegui me explicar um pouco.

"Encontrei-me numa sala de Magistério em 1988 um pouco por falta de opção, um pouco por ter ganhado uma bolsa de estudos, talvez porque minhas amigas também foram, ou quem sabe, porque me disseram que eu sairia do curso com uma profissão. De qualquer forma, terminei o curso em 1990 e em 1991 já havia passado no concurso para professora do município de Novo Hamburgo. Junto com isso, um emprego e uma liberdade financeira que eu nunca havia experimentado.
Sempre gostei de ler e de conhecer coisas diferentes. Lembro-me que eu e o meu pai passávamos horas folhando os volumes do “Saber em Cores”, sentados na cozinha, os dois, maravilhados com o mundo que mesmo estático nos levava em viagens sem fim. Minha mãe não entendia isso, mas respeitava e se orgulhava da “filha inteligente” que tinha, o que me livrava muitas vezes dos enfadonhos trabalhos domésticos, em troca da leitura dos mais diversos livros. A biblioteca do Pasqualini, austera e distante, era um refúgio para mim. Depois de certo tempo, podia entrar atrás do balcão e escolher os livros, privilégio de poucos.
Entendo que foi já nestes tempos que iniciou minha formação docente, porque não consigo ver a professora separada da Joice. A professora sempre esteve em mim, desde quando brincava de aulinha com o espelho, mesmo que eu não quisesse, por capricho adolescente, seguir a profissão. Hoje, sofro por estar fora da sala de aula, apesar de saber que aceitar o desafio de ser gestora esteja contribuindo muito para o meu crescimento pessoal.
Não me lembro de muita discussão teórica no curso de Magistério, apenas de muitas aulas sobre como fazer, como ar aulas, como ensinar. Os alunos deveriam aprender o conteúdo. Formar cidadãos críticos era também um dos nossos desafios, mas também nós não sabíamos o que era ser crítico.
Assim que fui nomeada no concurso iniciei um curso de 720 horas de Estudos Adicionais, que habilitou para o ensino de todas as disciplinas em 5ª e 6ª série. Não vou comentar este curso, porque o importante nessa época foram minhas viagens. Saia com as minhas amigas, de mochila nas costas, pra conhecer o Brasil e depois o exterior. Com certeza, isso é a parte mais consistente da minha formação, porque ampliou de uma forma inimaginável o meu horizonte. Isso me diferenciou muito das minhas colegas de escola, porque eu estava sempre cheia de mundo, e conseguia ver a realidade no qual trabalhávamos de uma maneira muito diferente. Por conta daqueles “adicionais”, comecei a dar aulas de português e matemática para turmas de 5ª série. Nunca me preocupei muito com o conteúdo que ia ensinar porque, guardada as devidas proporções, podia falar de tudo. Se precisasse, eu estudava. O que me preocupava era como construir uma relação de proximidade com esses alunos, como compreendê-los e compreender a realidade que eles viviam, às vezes, muito diferente da minha. Foi viajando que eu aprendi a sair um pouco de mim, a desconstruir esse pensamento pequeno burguês dentro qual eu havia crescido, a não me ver como o centro do mundo, mas como um elemento importante num mundo muito diverso.
Não é possível ser um bom educador se você é o “umbigo do mundo”, se você não consegue ter outros horizontes. A partir disso, é muito mais fácil e produtivo compreender o que os teóricos dizem, fazendo as mais diversas leituras e aproximando da sua prática.
Sempre fui muito determinada e quando decidi prestar vestibular na Unisinos, já havia programado até o semestre da formatura. Inicialmente, entrei em Pedagogia, mas um professor de Técnica da Composição abriu meus olhos para meu encantamento com as palavras. Minha formatura em Letras foi em dezembro de 1998, de gabinete para não perder a viajem à Machu Pichu.
Todo o meu curso foi muito prático, porque lecionava língua portuguesa para turmas de 5ª série e isso me dava uma enorme vantagem frente a meus colegas que trabalhavam em outras coisas e não conseguiam, muitas vezes, compreender as implicações na realidade do que era falado. Minha formação foi toda testada na prática, o que me faz entender melhor o valor da formação continuada em serviço.
Gosto muito de escrever e sempre procurei disseminar este gosto por onde passei. Mas, às vezes, a palavra sozinha, a língua portuguesa por si só não consegue aproximar os alunos dela. Então, sugeri na escola em que eu trabalhava a implantação de salas temáticas e junto com os alunos, construí um universo especial onde a palavra estava no centro. Poesia, Literatura Teatro, Expressão Corporal, Jornal: leitura, escrita, fala, escuta e dramatização. Tudo isso permitia que os alunos e eu pudéssemos nos aprofundar no estudo da nossa língua mãe. Aprendi muito com eles nesse tempo e, até hoje, encontro jovens que estudaram comigo nessa época e que não esquecem.
Depois, mudei de escola, resolvi trabalhar na biblioteca. Nesta escola, que por acaso é a escola da qual sou gestora, a biblioteca estava quase sempre fechada e, quando aberta tinha regras que não proporcionavam o encontro com o livro. Busquei informações sobre cadastros de livros, informatizei, abri para a comunidade, coloquei todos os livros para retirada, fiz projetos, abri durante os recreios, e tudo mais...
Em 2005, quando foi proposta pela Secretaria de Educação a eleição para diretores, fui bem votada pelas minhas colegas e resolvi aceitar este desafio. Sei que não é possível para todos os professores passar por esta experiência, mas percebo que é muito importante. Neste tempo, aprendi muito sobre políticas públicas na área da educação, sobre orçamento, sobre gerenciamento, sobre liderança e poder. O poder, que pode ser democratizado, gera apelos de todas as ordens. De um dia para o outro, eu não era mais eu, era a diretora. Sem falar na responsabilidade que isso traz.
Pessoalmente, a direção da escola fez uma grande diferença no meu pensamento. Antes, eu era só sala de aula, alienada das questões cruciais da nossa educação. Hoje, percebo que tudo está interligado, o que se faz e o que não se faz em educação marcam os caminhos do nosso país. Precisamos de metas pare seguir, e estas metas não são só do país, da escola pública, da nossa pequena escola, mas também pessoais. Participar disso faz parte da nossa condição de educadores.
Formação Continuada não é só participar de cursos e palestras, mas é conseguir discutir de uma forma crítica o que é visto e poder reconstruir sempre sua prática. A sala de aula, ou a direção da escola agora, é um espaço de formação por excelência daquele professor que pensa sua prática, ou seja, cada dia é um contém um aprendizado, basta olhar."